sexta-feira, 20 de maio de 2011

Isto - Fernando Pessoa


Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

s. d.

Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995): 236.

1ª publ. in Presença , nº 38. Coimbra: Abr. 1933.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Escrever

Por que é preciso publicisar?  Por que é preciso tornar novamente coletivo?
Essas questões ficam ressoando durante e ainda depois do Limiar. E elas trazem a sensação de que para pensar nisso é preciso pensar na experiência de escrever. É preciso pensar o que leva alguém a ter que escrever. Penso no meu processo de escrita. Não é só sentar e escrever. Quando escrevo? Quando algo transborda. Mas o que transborda? Uma intensidade, um afeto, que se torna grande e não cabe mais só em mim. No entanto, esse afeto, essa intensidade não é desde o início meu. Ele é um fora que me habita. É um caso que “pega”, uma situação que ocorre, é a vida no seu processo, que me atravessa, me afeta,  pega, me cria. E me criando vai formando esse “dentro”, onde recebe mais vida, mais afeto e assim por diante. Só que chega um momento que todo esse movimento, toda essa intensidade parece não caber mais. Paradoxalmente essa intensidade começa a parecer que é muita abertura, e dá a sensação de que se está sozinho diante disso tudo. É preciso falar, pôr em palavras para que algum outro as receba. Esse outro não precisa ser identificado, especificado. Pôr em palavras é endereçar, para que não se esvazie, mas para que também não se estoure. É não ficar sozinho com essa intensidade tão grande. É sentir que alguém também pode sentir o mesmo.
Junto com isso ainda aparece a questão da possibilidade de ao ler Pessoa colar com o Eu vazio ou com o Eu-plano-multidão. E última a supervisão do Gira, em que falei do at fica retornando na memória. Mas por quê? As sensações que retornam dessa supervisão são a necessidade de ter alguém que sentisse o mesmo que eu, e a outra que era anterior a essa, a de estar entorpecida. Parece para mim que essas duas sensações se aproximam dessas questões acima colocadas.
Diante de tamanha intensidade, uma saída possível é se entorpecer, para não ter que sentir esse tanto. E aí a quando vem a pergunta: “o que você está sentindo?”, para qual a única resposta só parece poder ser nada, um vazio. E nesse caso, não dá mesmo para falar, nem escrever, nem pensar. Porque o que move tudo isso está bloqueado, que é o sentir.
Outra saída possível é topar sentir as intensidades, é encarar se colocar frente a uma abertura sem-fim. Mas aí não dá pra encarar isso sozinho, sabe? Por isso essa sensação de que é preciso ter alguém que entenda o que estou sentindo, que sinta junto comigo. Falar em supervisão, procurar terapia, escrever... Pra dizer dessa intensidade, passá-la, transmiti-la de alguma forma, fazer esse contágio, pra não se estar só. Para não parar o movimento dessas forças em si mesmo, tomando tudo pra si, dar passagem, ser canal... Devolver pro coletivo o tanto que ele nos deu...
[continua... ou não...]