sábado, 16 de abril de 2011

"Ética na clínica - Toda escolha é uma escolha política"



Este texto foi escrito por uma amiga, Janaína, para a colação de grau da qual ela foi oradora. Através deste texto podemos ver as marcas da formação na UFF, e as questões que atravessam a nossa prática enquanto psicólogos.





Colação 15 de abril de 2010
Oradora: Janaina Marins

Hoje é o grande dia. Sairemos daqui psicólogos, bacharéis ou licenciados em psicologia. Depois de anos de aulas, estágios e muita dedicação, finalmente podemos comemorar esse momento. Entretanto, proponho aqui uma reflexão a respeito do lugar ocupado pelo psicólogo na nossa sociedade. 
Tivemos o privilégio de cursar a graduação numa universidade que não nos preparou somente para o “mercado de trabalho”, mas sobretudo, houve a preocupação de desenvolver em nós um posicionamento crítico que nos conduz a questionar verdades naturalizadas que encobrem o caráter político e histórico das escolhas que fazemos. Fomos levados inclusive a problematizar a formação do psicólogo dentro da própria universidade.
Tudo isso nos fez amadurecer. Hoje não somos mais os mesmos que atravessaram os portões do campus do Gragoatá há alguns anos. Costumo dizer que, tudo que eu achava que era psicologia foi desconstruído nos primeiros períodos. Fomos instigados pelos professores a questionar verdades arraigadas em nossas mentes e descobrimos que a história, a cidade, o “outro” ao nosso lado também nos constitui. O que chamam de “meio em que vivemos” não nos afeta somente, mas faz parte da nossa existência. Bem, se indivíduo é uma invenção da modernidade, então, quem eu sou, afinal?
Durante algumas semanas, um pequeno cartaz chamou minha atenção na entrada do bloco N, ele dizia: “Pra que (ou para quem) serve seu conhecimento?” Essa pequena frase ecoou na minha mente e levantou as seguintes questões: Pra que serviram esses últimos anos de formação? O que vamos fazer com isso? Que profissional eu quero ser?
O sujeito que procura um psicólogo, encontra-se em sofrimento. Independentemente da teoria da psicologia escolhida por cada um de nós, é preciso acolher esse sujeito, escutá-lo. Para isso, a ética precisa ser nossa bússola durante o trabalho de escuta e nas intervenções que ocorrem na clínica. Nós temos esse dever. Devemos sempre questionar o nosso lugar, nossa posição, seja ela de terapeuta, analista, professor, pesquisador ou qualquer outra função que essa formação nos proporciona.
Na nossa sociedade, somos o tempo todo requisitados a fornecer laudos, interrogam-nos a respeito da patologia de tal sujeito ou criminoso. O psicólogo muitas vezes encontra-se no lugar dos profetas ou sacerdotes do oráculo de Delfos, na Grécia Antiga. Mas é isso que queremos ser? Será que damos conta desse lugar que foi construído, influenciado por nossas práticas cotidianas? O que nós temos a ver com isso?
O sujeito que entra no consultório pedindo ajuda, também circula pela cidade. O consultório não é um território asséptico, é contaminado o tempo todo pelas vozes, pelos cheiros, pelas histórias do nosso tempo. Hoje em Niterói, um dos parques mais movimentados da cidade, o Campo de São Bento, frequentado por pessoas de todas as idades, um espaço de convivência e circulação, encontra-se com parte dos portões fechados, por ordem do secretário municipal de segurança e controle urbano. Esse senhor acredita que restringindo a circulação, consegue-se controlar a criminalidade. Em resposta a protestos dos moradores, principalmente relacionados a dificuldades de locomoção dos idosos e deficientes físicos, nosso secretário respondeu: “Sobre esse negócio de velho, idoso tem mais é que andar. Faz bem. E andar até o outro portão serve como aquecimento para quem caminha. A decisão de fechar os portões laterais será mantida até a minha morte.” Que poder é esse? O que isso tem a ver conosco hoje à noite? O secretário ainda avisou que uma das próximas praças da cidade a serem gradeadas para se restringir a circulação dos que ele chama de “drogados e vagabundos”, será a praça da Cantareira, ponto de encontro dos alunos da UFF.
Ao invés de se racionalizar a questão da segurança na cidade, se restringe a circulação do espaço público para se controlar melhor esse espaço. Isso é uma decisão autoritária, vergonhosa, tomada por aqueles que são pagos para servir ao público e não se servir do que é público.
Esse tipo de decisão de caráter fascista não é apartado das nossas práticas. Precisamos
problematizá-las para não sermos ingênuos, acreditando que o que está feito está feito e não temos nada a ver com isso.
No passado, outras práticas vergonhosas e ditatoriais encontraram apoio num discurso psi, que fechava o sujeito no seu mundinho familiar, culpabilizando-o de todos os problemas. As questões são amplas, nem tudo que ocorre é só responsabilidade da educação e da família, fazemos parte de uma sociedade. Será que queremos compactuar com discursos fascistas que apoiam a tortura, a exclusão social, ou a discriminação baseada nas nossas características físicas ou nas nossas opções, sejam sexuais ou religiosas? 
Nossos professores durante todos esses anos nos apresentaram teorias, modos de ver e construir o mundo. Meu grande desejo hoje à noite, é que ao sairmos daqui com nossos diplomas, tenhamos consciência de que a todo momento nós construímos o lugar que o profissional psi ocupa na nossa sociedade. A ética precisa guiar nossas escolhas, afinal, toda escolha é uma escolha política sim, que atravessará as paredes do consultório, das salas de aula e ajudará a fechar ou abrir os portões do mundo.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Carta aos companheiros de viagem...


Queridos,
Escrevo para dar notícias ou melhor, para dizer como foi importante a última supervisão (seja do GIRA, seja a do Boa Cia) e também porque sinto-me contagiada por uma potência, que dentre outras coisas me fez querer muito compartilhar com vocês o que estou sentido: alegria. Mas deixa eu me explicar melhor:
Acabo de chegar do at. E ainda pelo caminho, andando pela praia de Icaraí, como há uma semana atrás, novamente me pego pensando na minha prática, tentando dar sentido para o que estou fazendo nesse at, enfim... Só que hoje há uma diferença, não me sinto entorpecida. Meu corpo sente junto comigo, sinto arrepios nas pernas, minha respiração regular, e um sorriso que não quer sair do meu rosto... Estou alegre, uma alegria sem motivo aparente, mas que pra mim nasce de uma leveza que venho experimentando desde sábado.
A indicação da Lívia no Gira foi tentar tornar o at mais leve, e sem perceber, acho que já fazíamos isso naquele momento. O encontro com o paciente na terça foi outro. No desenho, num primeiro momento não se sabia o que desenhar, foi aparecendo balões... Vários balões coloridos voando pelo céu. E uma pergunta que já não era feita há algum tempo reaparece: “vamos jogar ping-pong?”, ok vamos... E quando um convite para tomar um suco na rua é recusado, pode aparecer um: “então ta, eu vou depois sozinha”, que produz algo no outro que diz: “você quer ir tomar um suco no hortifrutti? Então vamos...” O at terça foi leve...
E a supervisão que pôde acontecer, não apenas falar de como estava indo o caso, mas estar junto. Poder falar de minha dificuldade com o at, da nossa dificuldade de se encontrar, e deixar aparecer com é lidar com a abertura, com a intensidade... Chorar e rir juntas, um pouco mais de leveza, sem esquecer a força, pensando num método para lidar com a intensidade... A supervisão foi leve e forte...
Nessa quinta, outro at, que de cara dispara um monte de perguntas: o que é que estou fazendo? Como é se faz at com um paciente que não é psicótico? Qual a singularidade desse caso? O que há de singular em cada at? Fui tomar suco com os dois pacientes, essa semana... Casos tão parecidos, mas tão diferentes! Casos singulares, e que me convocam de maneiras singulares também. Como criar um corpo para lidar com esses limiares de intensidade?
Só que todas essas perguntas aparecem sem terem peso, sem se tornarem desesperadoras, elas dão vontade de estudar, saio do at pensando no texto “Como criar para si um corpo sem órgãos”; dão vontade de escrever, de compartilhar o que estou sentindo com outros. Sinto uma potência, uma alegria... O at de quinta foi leve, forte e alegre...
Sábado e terça falamos da necessidade de “proteção”, de “anteparos” para lidar com a abertura, no encontro com as intensidades. Talvez tenha me esquecido que os afetos produzidos nesse encontro também podem ser bons, também podem aumentar minha potência. Hoje estou me lembrando disso, ou melhor, sentido.
Queridos, escrevo, como disse, para dar noticias, para dizer que acho importantíssimos esses nossos espaços de supervisão (mas isso vocês já sabem, né?), e porque quero fazer durar essa sensação...

sábado, 9 de abril de 2011

Perder-se

Estou começando a achar que a minha inspiração é ter que andar pelo Rio de Janeiro. Sempre que vou para algum lugar por lá, sinto vontade de escrever. Ou talvez sejam os encontros do GIRA, já que são eles o motivo dessa minha locomoção... Mas vamos começar a história do começo.
Hoje tivemos um encontro de supervisão em Guadalupe, e como aqueles que já leram algo aqui no blog sabem, eu não sei andar no Rio, mas já havia ido uma vez antes a Guadalupe. Então, quando uma amiga (que não sabe andar pelo Rio) do grupo pergunta quem vai sair de Niterói, digo que como já havia feito o trajeto iria me perder um pouco menos. É aí que outra amiga responde a esses emails com a seguinte frase "perder-se também é caminho", da Clarice Lispector. Bem, no fim das contas a gente não chegou a se perder, apenas não fomos devidamente avisadas do que deveríamos fazer, mas conseguimos nos sair muito bem. No entanto, a frase ficou ecoando em minha cabeça durante toda a supervisão... Mas qual o motivo disso?
Acho que tem a ver com as coisas ditas na supervisão. Sentir-se só, precisar ser acolhido, afirmar escolhas, poder deixar que vejam nossa fragilidade, receber cuidado, cuidar... Tantas sensações, tantos afetos, tantas situações que são dos pacientes, mas que se misturam com nossas vidas, que nos pegam, nos embolam e parecem nos tirar do rumo, e que rumo é esse mesmo? Para onde pretendíamos ir ao escolher ser psicólogos, ao querer cuidar de outros (que nos chegam em situações tão doloridas, situações que nos tocam de tantas maneiras)? Que caminho é esse em que planejamos trabalhar de certo jeito, mas que vai nos fazendo encontrar sempre com o inesperado, nos desafiando, alargando nossos limites? 
"Perder-se também é caminho"... É fazer do novo, material de trabalho, é usar o que tenta nos paralisar como alavanca para o impulso; é fazer do que a princípio parece confusão, caminho errado, fim da linha, como nova estrada, atalho, trilha...É conhecer um lugar onde não se iria se apenas o que estivesse no cronograma, dentro do estritamente planejado fosse seguido. 
Como nos "perdemos" hoje? Fazendo o caminho correto: estávamos no caminho certo, mas achamos que estava errado, então tivemos que voltar um pedaço, para descobrir que o que pensávamos ser o certo não era e que o estávamos fazendo antes é que era. Confuso? Na hora foi só um pouquinho.Conseguimos fazer o caminho, chegamos onde queríamos, aprendemos algo mais sobre o metrô... Lá, na supervisão, também por momentos a sensação é de que tínhamos nos perdido, nos casos, na escolhas da profissão, na vida... Mas juntos construímos caminhos...